24 outubro 2007

A Gravata


Caros Colegas da Turma de 1977.
 
 
No início deste ano de 2007, perdemos nosso nosso querido amigo Ricardo Carrara Neto.   Nosso colega da turma  de 1977 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Companheiro de farra; de política; de noitadas; de advocacia.
 
Era  um advogado brilhante  e bem representava o espírito  da nossa turma. Criminalista com uma capacidade de convencimento impressionante. Era totalmente irreverente. Cantor, apresentava-se de vez em quando em   espetáculos da escola onde estudava canto. Era uma figura. Beirava a irresponsabilidade, ao mesmo tempo em que era generoso, bondoso, divertido, firme.
 
Deixou a viúva Regina, uma pessoa fantástica que cuidou da irreverência dele a vida toda. Não têve filhos. Adorava os meus. Almoçávamos uma vez por semana. Minha filha Mariana adorava o Carrara e, muitas vezes ele me ligava e pedia - Não faça a audiência do dia...; deixe que eu faça com a Mariana; gosto de ver a atuação dela; não brinca em serviço não. Lá iam Carrara e Mariana para as audiências. Voltavam eufóricos e se divertiam com tudo.
 
Carrara fumava muito (3 maços por dia) .
 
Foi vitimado por um câncer de pulmão avassalador. Resistiu por 1 ano e meio, com muita dificuldade. Sofreu bastante e nunca, em tempo algum, perdeu o bom humor.
 
Há 30 anos, os amigos mais íntimos da turma reunem-se no dia 23 de dezembro para comemorar o Natal. No início de 2006, o Carrara me disse - Beto, eu não vou estar no próximo almoço; não chego lá; passo para o outro lado antes disto. Você é meu melhor amigo, então me represente.
 
Disse a ele que não, que ele estaria conosco, etc. Claro que já sabíamos que não ia aguentar. No ano de 2003, Carrara foi homenageado pela OAB de São Paulo em razão de sua defesa pelos Direitos Humanos (ele bem merecia). Foi muito bonito. Coragem e inteligência não lhe faltavam.
 
Resolveu ir com a mulher à França, país que ele amava e com a vantagem de ter a Regina ao lado - ela é professora de Francês. Ela me ligou - Beto, dê uma dura no seu amigo. Ele quer ir a Paris, por minha causa é claro. Ele não tem condições físicas. Já implorei; chorei; pedi, mas não adianta. Como ele escuta muito você, dê uma dura no Carrara.
 
Roberto - Passe o telefone a ele.
 
Carrara - Fala Beto.
 
Roberto - Você não pode ir a Paris, cara. Você não tem condições. Espere um pouco.
 
Carrara - Ô Beto, vá à merda. Eu tenho 54 anos, não preciso de conselho. Vou e ponto final, até porque será minha última viagem com a minha mulher.
 
Roberto - Mas ela está preocupada com você e eu também.
 
Carrara - Eu também. Mas,  não me importa. Vou e ponto. Quero ir e vou.
 
Ninguém conseguia contradizê-lo.
 
Foram. Passou muito mal. Voltaram com urgência ao Brasil. Regina me ligou.- Ele está mal, Beto, muito mal. Estamos aqui no Hosp. Sírio-Libanês. Os médicos vão tentar colocar uma prótese de laringe e esôfago, pois ele não consegue nem beber água. O câncer expandiu.
 
 - Estou indo para o Hospital. Era dezembro de 2006. Ele estava péssimo. Vi que estava chegando a hora do meu amigo.
 
Dei um beijo nele. Contive a emoção.
 
- E aí, Carrara, como está.
 
- Como você vê. Quero lhe pedir 3 favores.
 
- Quantos você quiser.
 
- Cuide da minha mulher, você bem sabe como ela gosta de você.
 
- Nem se preocupe. Ela sabe que conta comigo para o que precisar.
 
- Vou deixar para ela entregar a você 4 garrafas de Red Label. Uma é sua. Uma para o Pedro, uma para o João, uma para o Renato (três queridos amigos). Entregue você a eles.
 
- Pode deixar.
 
- Beto é o seguinte. Em 2007 vamos comemorar 30 anos da nossa formatura. É claro que você vai  ajudar a  organizar e eu sei que será uma festa bonita. Tenho uma gravata Hermes vermelha que é a minha favorita. Ela é sua. Mas eu quero que você a use na nossa festa. Tenha certeza de que eu estarei com vocês . Não deixe de usar, Beto. Eu estarei do seu lado na festa, como sempre estivémos. Use a gravata em minha homenagem.   
 
No dia 23 de novembro será a nossa festa de 30 anos. Já temos 95 adesões. Seremos cerca de 140 pessoas. Usarei a gravata. Não seremos somente 140 - o Carrara estará lá.
 
Faleceu no dia 03 de janeiro. Foi cremado. As cinzas foram expargidas (conforme pedido dele) no jardim interno da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Ele estará no meio de nós.  
 
Abraços a todos. 
 
Roberto  Corrêa de  Mello

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